VASO QUEBRADO
Certa vez, uma moça, distraída,
Brincando, por acaso,
Lançou uma semente ressequida
Dentro de um vaso.
E depois atirou-o para um lado.
E alegre, jovial,
Foi-se embora, deixando abandonado
O vaso, num recanto do quintal.
Passou-se o tempo... E ela nem mais uma hora,
Um momento, sequer, pensou no caso.
Mas a semente germinara... E agora
Era uma planta a bem nascer no vaso.
Em pouco não continha humos bastante
A terra lá do vaso. E era de ver
A raiz, como serpe, coleante,
Dobrando-se, crescendo a cada instante,
Na ânsia de viver.
A planta pouco a pouco ia morrendo,
Exalando um perfume raro e doce.
Mas a raiz lutava, ia crescendo... crescendo...
E o vaso espedaçou-se.
Às vezes um olhar indiferente,
Lançado sem a mínima intenção, como a semente,
Germina. E pouco a pouco, e lentamente,
Vai nascendo em segredo uma paixão.
E o coração a custo vai contendo
A cálida paixão,
Que, dia a dia, aumenta, e vai crescendo...
E espedaça-se o pobre coração.
E é por isso que, sem se saber porque,
Fica-se admirado,
Quando ao acaso por aí se vê
Um pobre coração despedaçado.
Poeta Lauro Menezes
(Meu bis avô)
OS CAMBARÁS EM FLOR
Fitei ao longe... a serra era distante...
– O sol-oriente, um belo sol de maio,
Redoirava a esmeralda luxuriante
Da flora farfalhante
Que ostentava o esplendor de um verde-gaio.
A natureza era um evangelho santo.
Aberto no veludo das alfombras!
– Em tudo, um coração, em tudo, um canto,
Feito do mago encanto
Que habita n’alma de cetim das sombras!
Tomei de meu chapéu, parti risonho,
Levando dentro d’alma, em cada sonho,
Um gesto de beleza esplendorosa!...
– Distante, a serrania azul, formosa.;
Mais longe, a natureza sorridente,
Bebendo pelo azul do firmamento
A poeira da luz, pulverizada,
Que eleva-se do céu, na grande arcada,
Onde se perde o próprio pensamento!
Andei... corri... por fim, cheguei ao cume
Da fresca serrania, onde o perfume,
Na ebriedade da flor a flor, resume,
Ao dolente sabor da viração,
Balsamizando a dor...
Povoando a solidão!...
Andei perdido a esmo, entre os fraguedos,
Entre as lianas floridas,
Como criança que busca os seus brinquedos.;
Mas, as franças pendidas,
Quedavam do rigor de um sol ardente,
Num silêncio latente,
Como na sombra, as tenras margaridas!
Aos calores do sol chegou-me a sede...
E exausto de fadiga,
Andei, corri pela floresta verde.;
Mas, nem sequer a lépida cantiga
De uma fonte queixosa,
Ouvi, banhando a sombra veludosa.
Cheguei depois a um verde laranjal,
Belo vergel florido,
Onde via-se a pompa tropical
Deste Brasil querido,
Onde um rio é um mar... e o mar, cantante
Um cancioneiro astral,
Que, com luz irisante
Esplende a seiva nua e palpitante!
Entre o vário matiz das trepadeiras,
Na cabana, avistei de meu caminho,
Duas formosas e gentis fiandeiras,
Que, o canto unindo em matinal canção
À onomatopéia das palmeiras,
Fiavam docemente,
Os sedosos capulhos do algodão!
Quando eu cheguei à porta da cabana,
Assim como Jesus, a uma samaritana
Pediu água em Belém,
Eu fui pedir também
A essa gentil serrana,
Dos lábios cor de rosa...
Das duas a mais nova e mais formosa!
Ela sorriu... corou... deu-me a beber
A linfa de cristal que banha a serra
No regato a correr...
... E entoando um madrigal,
Olhou-me com um olhar que tudo encerra
Desde a ternura até o amor genial!...
Quedei por muito tempo, o olhar absorto
Nos verdes cafezais ...
E, que conforto
Eu não senti então?!
Os laranjais,
Tinham esse grato aroma das capelas
E o simbolismo branco de um noivado,
Fazendo recordar das virgens belas
O regaço de flores constelado!...
Amou-me muito essa gentil fiandeira
De lábios de romã.
E a sua terna irmã...
A mais velha, a primeira,
Disse-lhe um dia:
– Oh ! minha doce amiga!
Eu sei que tu amas!
– É muito forte o Amor e ainda é mais santo
Quando esse Amor o coração mendiga!
... mas, se o pranto,
te enliana o riso dentro da paixão,
hás de cedo findar-te, como as ramas
dos verdes cafezais pelo verão!
– Procura isso esquecer, sofrendo, embora,
É grande o amor,
mendigado na dor!
Porém, no esquecimento,
hás de matar o amor que te devora!
– O amor, morre também...
e as vezes tão depressa quanto vem!
...E a irmã lhe respondeu:
– Jamais!... Jamais!...
– Eu sei o que é o amor no coração
– Não posso me esquecer dessa visão
– Em tudo ela palpita... os laranjais
– Estes capulhos brancos de algodão,
– Tudo... tudo recorda
Essa visão que acorda
A minha solidão! Jamais! Jamais!
... E quando os cambarás brotando em flor
Puseram-se a murchar,
Eu tive que deixar
A pátria desse amor!...
... Nos alcantis o cambará murchava,
E eu, tendo que partir,
Disse à pobre menina que chorava:
– Eu parto... adeus... mas antes de sair,
Juro-te à luz do sol que me alumia,
Que breve hei de voltar!
– Quando as folhagens
Brotarem pelo inverno, das mangueiras
Na copa esmeraldina,
E, os cambarás em flor,
Florirem novamente estas paragens,
Eu voltarei com meu sincero amor!
Nos alcantis o cambará murchava,
e eu parti... eu parti...
mas, eu chorava!
Foi-se o tempo a passar:
– Na laranjeira,
As flores despontavam...
E a minha alcandorada companheira,
Essa gentil fiandeira,
Olhava no alcantil, se já voltavam,
Os seus dias de amor.;
Até que um dia,
Fitando sempre, viu que já floria,
O verde cambará brotando em flor!
...E eu nunca mais voltei!...
Ela expirou...
Mas, antes de expirar,
Chamou a boa irmã e murmurou:
– Sinto a morte chegar.; quando eu morrer,
Como consolação,
Eu quero ter na hora derradeira,
Dentro do meu tristíssimo caixão,
Em vez da branca flor de laranjeira,
– A flor desta paixão:
– Uns verdes cambarás, brotando em flor!
* * * * *
...Desde esse tempo, nunca mais murchou,
O cambará nos alcantis da serra.;
A flor do laranjal sempre fenece,
E, toda planta, uma vez só floresce,
Quando passa o verão:
– Somente o cambará não perde a cor,
...E vive eternamente...
...eternamente em flor!...
Poeta Lauro Menezes
(Meu bis avô)